Marina Resende
Cultura de estupro (no inglês, Rape Culture) é algo muito presente no nosso cotidiano, embora somente tenha se tornado pauta de discussões recentemente. Pode ser definida como uma forma de censura à sexualidade da mulher, culpando-a por sua própria sexualidade, tratando-a como algo vexatório. Por diversas vezes, esse contexto social que repreende a mulher por qualquer aspecto sexual de sua individualidade acaba por criar justificativas para crimes em que a mulher aparece como vítima!
Em casos de crimes de estupro, por exemplo, é comum se falar em “culpa da vítima”, seja em razão de suas vestimentas, maquiagem, local em que se encontrava, ingestão de bebidas alcóolicas, dentre outras justificativas, que são utilizadas para repreender não o agressor, mas quem vivenciou a situação de violência, como se fosse algo resultante do comportamento da mulher.
A cultura do estupro está impregnada na sociedade, e deve ser debatida, para que haja uma maior conscientização de que a vítima não pode ser responsabilizada pela violência praticada por seu agressor. Ademais, é preciso falar sobre isso para que a mulher possa vir a abraçar sua sexualidade, sua liberdade, e para que não seja refém de outras pessoas, ao ser colocada na posição de objeto.
Às vezes, resquícios da cultura de estupro partem até mesmo de mulheres, ao criticarem outras mulheres, em eventos sociais, roupas utilizadas, ou por seu comportamento, exemplo. A ideia de que mulheres na verdade são inimigas e não podem confiar em outras mulheres vem de muito tempo atrás!
Mariana Angioletti
Como já dizia Simone de Beauvoir: “o opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos”. Essa frase tem origem em livro escrito por essa grande filósofa “O Segundo Sexo”, no qual ela discorre sobre questões extremamente relevantes para o feminismo contemporâneo. O livro foi originalmente publicado em 1949, ou seja, por aí já podemos entender o que a Marina falou sobre a cultura de mulheres se verem como inimigas ser bem antiga.
Confesso que até pouco tempo atrás, eu fazia parte dessa cultura e cada dia que passa percebo como ela é arraigada em mim. Quantas vezes eu olhei para uma mulher com um vestido extremamente curto e a julguei. Até hoje faço isso quase que de forma automática! Portanto, é preciso entender que para quebrar com essa cultura, devemos, em primeiro lugar, lutar contra ela internamente. Não é fácil. É preciso muito comprometimento, mas a mudança vem. Ela vem de dentro para fora, e essa, acredito eu, é a semente da mudança para acabarmos com a cultura do estupro. Temos que entender que precisamos olhar para outras mulheres da mesma forma como gostaríamos que fossemos olhadas naquela situação.
Essa mudança de olhar para outra mulher tem também o nome de “sororidade”, palavrinha essa que me foi apresentada pela Clara. Estão vendo? É uma corrente, mulheres que apresentam um novo olhar para outras mulheres, e essas mulheres espalham esse aprendizado para mais mulheres. Juntas, podemos mudar essa cultura.
Às vezes, resquícios da cultura de estupro partem até mesmo de mulheres, ao criticarem outras mulheres, em eventos sociais, roupas utilizadas, ou por seu comportamento, exemplo. A ideia de que mulheres na verdade são inimigas e não podem confiar em outras mulheres vem de muito tempo atrás!
Clara Renault
Isso! Juntas, sempre. E para inserirmos o hábito de nos apoiarmos no nosso dia-a-dia, pequenas mudanças de atitude acabam nos dando uma nova visão do mundo em que estamos inseridas.
Se há algo que a maior parte das mulheres que conheço (para não dizer todas) já vivenciaram é o medo real de ser estuprada ou sexualmente agredida. E esse tipo de crime vem motivado pela crença social de que a mulher está em uma posição inferior ao homem, que ela deve agradar e servir aos homens. E, infelizmente, essa crença não está apenas em mentes masculinas, ela está nas nossas próprias mentes (nós, mulheres).
O rompimento com essa mentalidade é importante para nos protegermos e, diariamente, demonstrarmos que o lugar de objeto não pertence a nenhum ser humano, independentemente de seu gênero, cor, nacionalidade ou idade. Olhar com generosidade para aquela mulher ao seu lado, seja conhecida ou não, é a chave para a mudança da cultura do estupro. Respeitar as lutas e limitações de cada uma, entendendo que a luta de ninguém é igual a nossa, é o melhor caminho.
A roupa, a forma de falar, os parceiros ou parceiras sexuais, nada disso é motivo para subjugar ou condenar outra pessoa. E isso é algo que devemos repetir sempre a nós mesmas. Nos colocar no lugar de outra pessoa nunca é um exercício fácil, mas quanto mais praticamos, mais simples fica.
Marina Resende
Vários dos comportamentos que vocês citaram são muito comuns em nossos círculos sociais, até mesmo por parte de pessoas que sabemos que são inteligentes e solidárias, mas que muitas vezes acabam por se esquecer de se colocarem no lugar do outro (ou da outra, no caso).
Algo que eu li certa vez e que me marcou muito é que o maior alívio que uma mulher pode sentir ao andar sozinha à noite e ao escutar passos, é se virar e ver outra mulher. Acho isso muito forte. A segurança que uma outra mulher pode trazer. A libertação em se ver livre de uma situação de perigo. Formando uma corrente de amor e sororidade entre as mulheres, com a aceitação umas das outras, apesar de qualquer característica em específico, criamos uma rede de proteção a qual todas nós podemos confiar.
A partir do momento em que passamos a entender a relevância de não acusar e apontar dedos ao comportamento alheio, principalmente ao de uma mulher, podemos prevenir diversos tipos de agressões. Aquela frase cafona e machista de “se dar ao respeito” pode ser substituída por uma imposição de respeito por todas nós, para que em uma relação de puro amor, consigamos ver umas às outras como um espelho de nós mesmas, e nos protegermos como irmãs.
Se nós passamos a não admitir comportamento agressivos e depreciativos dentro de nós mesmas e no nosso contexto social, aos poucos, vamos passando a ideia para a coletividade como um todo do direito da mulher e de como devemos sempre nos respeitar e sermos respeitadas, em um ato de real empoderamento. A imagem que fazemos de nós mesmas e dos outros que nos cercam muitas vezes é replicada por terceiros. Nos amando, nos aceitando e nos entendendo mais, os outros, de maneira reflexa, acabam por nos enxergar da mesma forma.
É um caminho longo, esse de entender que todo mundo merece respeito e aceitação. Mudar os paradigmas aos quais fomos criadas e submetidas por muito tempo sem contestar. Mas como a Mari disse, a mudança vem, e parte de nós!
Minimizando ao máximo esses comportamentos que caracterizam a cultura de estupro dentro de nós mesmas, ensinando as pessoas ao nosso redor e com um pouquinho de esperança, vamos deixar para trás uma sociedade empática e menos violenta. Uma sociedade na qual realmente vale a pena viver. Contamos com vocês para espalhar esse sentimento de aceitação que lateja profundamente dentro de nós!