Esse artigo foi produzido em coautoria por: Clara Renault, Mariana Angioletti, Marina Resende e Natália Mazoni

O

CONTEXTO

DA

VIOLÊNCIA

DOMÉSTICA

A violência doméstica e intrafamiliar é um problema que afeta a vida de milhares de pessoas em todo o mundo. Apesar de não haver um perfil específico para que alguém sofra esse tipo de violência, a realidade é que as mulheres são as principais vítimas. De acordo com dados do IPEA, no Brasil, o índice de violência doméstica com vítimas femininas é três vezes maior que o registrado com homens, dentro de seus próprios lares, pelas mãos de seus parceiros e familiares.   

O problema vai muito além das lesões corporais visíveis. A violência, em todas as suas formas, agride o emocional. Tolhe a liberdade, as escolhas, a vontade de viver. Diminui a autoestima, destrói a privacidade. Lê as mensagens, controla onde vai, como vai, com quem vai, com que roupa vai. As consequências psicológicas, sociais e econômicas deixam marcas profundas na história de cada mulher. Além disso, a sociedade, e o próprio Estado, ainda não estão preparados para enfrentar o agressor, muito menos para recepcionar a vítima de forma adequada, capaz, ou até mesmo acolhedora. 

No contexto brasileiro, e até mesmo mundial, a culpabilização da vítima, por vezes, ganha mais espaço do que a própria violência. É comum ouvir que se uma mulher foi agredida, ela deve ter feito alguma coisa para provocar. Se sofreu a agressão, deveria ter saído de casa, denunciado seu parceiro. A verdade é que as coisas não são tão simples assim. 

O medo de encarar e desafiar seu agressor, faz que muitas mulheres se sintam paralisadas. Medo de despertar um aspecto animalesco que só ela já viu e vivenciou. Medo de sofrer as consequência de querer “pagar pra ver”. De perder a guarda dos filhos. De apanhar mais. De morrer. Um medo, de certa forma, justificado: só em 2019, mais de 1.300 mulheres – uma a cada 7 horas, em média – morreram vítimas de feminicídio no Brasil.

Em muitos casos, o ambiente doméstico é permeado por outros sintomas de abuso que vão além da manifestação física. A dependência emocional e financeira são fatores que contribuem para que muitas mulheres sintam como se estivessem em um beco sem saída. Por outro lado, essa relação de dependência é usada pelo agressor como uma forma de justificar suas ações. Instaura-se, assim, um ciclo de agressões difícil de ser quebrado.

No mês em que celebramos 14 anos da Lei Maria da Penha, trazemos uma reflexão sobre a violência doméstica e intrafamiliar, e como ela impacta profundamente a vida de tantas mulheres.  

O marco legal da violência baseada em gênero no Brasil

A Lei Maria da Penha (Lei 11.340) foi publicada em 2006 e tem como objetivo principal oferecer proteção às mulheres brasileiras contra diversos tipos de violência. Maria da Penha Maia – à quem a lei presta homenagem – é uma das inúmeras mulheres vítimas de violência doméstica no Brasil, e sua história já foi contada e recontada várias vezes: após anos de repetidas agressões, ela tornou-se paraplégica em decorrência de um tiro nas costas, dado por seu marido, e sofreu outra tentativa de assassinato quando ele tentou eletrocutá-la durante o banho. É assustador, mas quando paramos para pensar, histórias como a dela são ouvidas em todos os cantos, de diversas formas e intensidades, todos os dias. 

A lei, que leva o seu nome, conforme já explicitamos em um post anterior, tipifica a violência doméstica e oferece definições sobre os diversos tipos de violência abarcados pela legislação, podendo ser física, sexual, patrimonial, psicológica e/ou moral. Outras grandes conquistas trazidas pela lei e que merecem destaque, é o aumento da pena imputada ao agressor, de um ano para até três anos; a proibição da aplicação de penas pecuniárias aos agressores; e o encaminhamento das mulheres e familiares em situação de violência para programas e serviços de proteção e assistência social especializados.

Outra lei de extrema importância é a Lei do Feminicídio, sancionada em 2015, que altera o Código Penal para considerar o feminicídio como homicídio qualificado, incluindo-o no rol de crimes hediondos, e com penas que variam de 12 a 30 anos de reclusão. A lei ainda prevê agravantes da pena de um terço até a metade para os casos de feminicídio ocorrido durante a gestação ou nos três meses após o parto; crimes cometidos contra menores de 14 anos, maiores de 60 anos, ou pessoas com deficiência; e também nos casos de feminicídio na presença de descendentes ou ascendentes da vítima. 

Leis como a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio são de extrema importância para a luta contra a violência baseada no gênero. Ainda há muito a ser feito para que ocorra uma mudança de paradigma social e institucional no Brasil, que possibilite a efetiva proteção das mulheres e de suas famílias contra a violência doméstica. Enquanto isso, cabe a nós trazer à tona discussões que levem à reflexão sobre a necessidade não apenas termos um arcabouço jurídico adequado e protetor, mas também de mudarmos nosso comportamento e mentalidade, principalmente em um contexto social tão marcado pela presença masculina e fragilização da mulher. 

O CONTEXTO FAMILIAR DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, O DIVÓRCIO E A GUARDA DE FILHOS

É importante frisar que num cenário de violência doméstica, os filhos, especialmente os que ainda não atingiram a maioridade, sofrem profundamente. Por serem vítimas da própria violência, por acabarem se envolvendo nos embates entre os pais ou, ainda, que é a situação mais comum, terem a convivência paterno-filial extremamente dificultada, já que, após a fixação da medida protetiva, para que a convivência aconteça, é preciso que exista uma rede de apoio para a mãe, que vai permitir que a criança ou o adolescente consiga encontrar com o pai. 

Na prática, é possível ver diversas soluções. Algumas crianças e adolescentes mudam de escolas para que a localização seja um “meio do caminho” para que os pais possam conviver de forma equilibrada com os filhos e “o buscar a criança ou adolescente” aconteça na escola; ou um familiar – avós ou tios – ou um amigo da família, auxilia no encontro dos filhos com o pai que está impedido de ir na casa materna. 

Contudo, façamos a ressalva de que nem todas as mulheres possuem uma rede de apoio, o que, por vezes, inviabiliza o convívio paterno-filial. 

E sim, esse cenário gera um imenso sentimento de culpa nessas mulheres. Para piorar, é possível presenciar em audiências ou ainda em estudos psicossociais, operadores do judiciário ou mesmo o próprio agressor questionarem se elas pensaram nos filhos e no que eles foram submetidos em decorrência da denúncia. 

Essa é a nossa sociedade. Será que o agressor pensou nisso quando decidiu humilhar, ameaçar ou agredir sua esposa ou companheira? Esse questionamento é pouquíssimo ventilado. 

Por isso, é fundamental que nós, mulheres, operadoras do direito, especialmente as advogadas, tenhamos a consciência dessas nuances para que ao menor sinal de qualquer tipo de abuso, seja iniciada uma conversa franca, que seja fornecida uma orientação para que essas mulheres consigam buscar ajuda e encontrem o necessário apoio psicológico e jurídico para conseguirem se livrar dessas situações de violência.

E é sempre bom lembrar que um divórcio pode ser permeado por grandes dores e os envolvidos estão em uma situação extremamente delicada. Por isso, que os advogados devem, na boa prática, demonstrar para seus clientes que existem soluções jurídicas que não gerem ainda mais impactos psicológicos na vida dessas pessoas.  

É

IMPORTANTE

BUSCAR

AJUDA

 

Apesar de todas as dificuldades que sabemos que envolvem uma situação de violência doméstica, é muito importante que saibamos como encorajar as vítimas a buscaram ajuda. 

É imprescindível que as pessoas assumam uma posição de mais apoio e compaixão, e abram mão da tendência imediata de julgar situações que não conhecem por completo. A mulher vítima de violência, quando decide denunciar a situação que vive, tem um longo processo a passar: diversos procedimentos, oitivas e, às vezes, exames físicos.

O importante é que ela se sinta acolhida por aqueles que a rodeiam, e nós podemos desempenhar esse papel, dando-lhe força para prosseguir com as providências judiciais.

Isso, porque a tendência da dinâmica de violência doméstica que não é interrompida é, infelizmente, a piora grave das agressões, o que leva, muitas vezes, ao feminicídio, conforme os números demonstrados anteriormente. Por isso é tão importante denunciar e seguir os procedimentos judiciais, para que essa vítima consiga se desvencilhar da situação de violência.

Existe um ciclo que precisa ser interrompido pela vítima, e ela só consegue fazê-lo se contar com o auxílio de pessoas próximas a ela. Portanto, é importante que fiquemos  sempre atentas aos sinais, pois a violência doméstica é muito mais comum do que se pode imaginar. 

O processo é complexo, mas hoje existem instrumentos Estatais e não Estatais para proteção e auxílio de vítimas. Já citamos alguns mecanismos em outro post, e um bom exemplo são as casas de acolhida. Nesses locais, profissionais do direito, da saúde (física e mental), assistentes sociais e agentes do corpo policial são preparados para receber, acolher, orientar e auxiliar mulheres vítimas de violência doméstica. Ainda, diversas ONG’s realizam este tipo de trabalho no Brasil e inúmeras advogadas e advogados estão preparados para atender essas pessoas. 

Por isso, esse artigo vem com a intenção de informar, de tornar a situação da violência doméstica no Brasil mais palpável mas, principalmente, para abrir os olhos de nossas leitoras e leitores, e nos colocar como ponto de apoio e informação. 

Às vítimas de violência doméstica: vocês não estão sós. 

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