Essa semana decidimos falar sobre o machismo. Não só sob a ótica das mulheres, mas de como ele afeta os homens também. Nesse artigo, falaremos de situações que são muito comuns no Judiciário brasileiro e que afetam tanto homens, quanto mulheres.
Um exemplo muito comum visto nas varas de família são os processos que envolvem guarda, fixação de residência e convívio de menores de idade.
Antes de adentrar na experiência vivenciada na advocacia, é prudente explicar que em 2014 houve uma alteração no Código Civil que deu origem ao estabelecimento da guarda compartilhada como imperativo legal, ou seja, como norma geral. Em decorrência disso, tivemos uma amenização dos problemas envolvendo a guarda de menores, já que desde então a guarda unilateral é fixada em situações excepcionais, conforme dispõe o §2º do art. 1.584 do Código Civil:
Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:
I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;
II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.
§1º Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.
§2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.
Portanto, com relação aos filhos com menos de 18 anos, é preciso compreender e diferenciar três conceitos importantes:
- Guarda: a guarda é o poder e a responsabilidade atribuída a uma pessoa capaz, que deverá prestar assistência material, educacional e moral à criança ou adolescente. Geralmente é compartilhada, mas pode ser unilateral se um dos genitores não demonstrar aptidão para exercer a função ou manifestar expressamente que não quer;
- Fixação da residência do filho: ficou estabelecido na doutrina e na jurisprudência brasileira que é melhor que os filhos tenham um lar de referência. Há quem defenda que é possível a guarda compartilha com residência alternada, mas isso não é bem visto no Judiciário. Assim, é comum que se fixe um lar para a criança ou adolescente – aquele que atenda melhor os interesses do filho – e o lar do outro genitor será um local de convivência;
- Convivência: como um dos genitores não terá o lar de referência da criança ou do adolescente, é preciso que se fixe uma convivência – a mais ampla e equilibrada possível – com esse genitor.
Ultrapassadas essas considerações, vamos a alguns exemplos práticos. Quantos advogados e advogadas de família já não se viram obrigados a alertar seus clientes homens, em processos envolvendo a revisão de guarda, convivência e fixação de residência de um menor, que apesar da situação em si justificar o pleito dele, ele teria que ter um arcabouço probatório excelente para convencer o juiz ou juíza a fixar residência com o pai e não a mãe, já que o Judiciário, especialmente o mineiro, é “pró-mãe”.
Nesse tipo de caso, muitas vezes, o caminho que a mãe teria que percorrer para conseguir exatamente o mesmo pleito, seria muito mais simples do que o que um pai teria que percorrer.
Além disso, é possível perceber uma automatização dos magistrados e magistradas, promotores e outros servidores do Judiciário, em presumirem que a fixação da residência da criança deverá ser com a mãe. Quando é mostrado um cenário diferente, é comum ver um espanto, ver erros no processo, ou mesmo um olhar de incredulidade sobre o que está sendo falado.
Isso é um traço muito forte da cultura machista e patriarcal que, infelizmente, ainda vivemos. Porque um pai, que quer ser pai, que quer exercer uma presença na vida do filho, não seria capaz de fazer isso? Porque que um pai que desde o nascimento desse filho o acompanha, cuida, zela pelo seu bem estar, saúde, educação, lazer, não pode exercer essa paternidade de forma plena?
Ser mãe não é um selo de excelência, mulheres não têm, necessariamente, instinto materno. O cuidado com o filho não só pode como deve ser compartilhado. Quando um pai se mostra mais capaz de ser o responsável por prover a residência da criança, o Judiciário precisa ser capaz de reconhecer a situação e decidir pelo bem estar daquele filho ou filha.
Essa cultura de, automaticamente, se presumir a existência de um instinto materno em toda mulher, se torna um fardo enorme para aquelas que não se permitem dividir os cuidados dos filhos com o outro genitor. Inclusive, essa foi uma questão já mencionada no bate papo sobre os desdobramentos da cultura patriarcal (clica aqui).
Assim, podemos visualizar um Judiciário que ainda possui um entendimento machista, reforçado por uma sociedade patriarcal que coloca mulheres e homens em caixas herméticas das quais não podem sair. Assim, ambos pagam um preço altíssimo por isso.
Apesar disso tudo, é possível enxergar uma mudança vagarosa deste cenário. Muitos pais têm visto a importância da sua participação na vida de seus filhos, cada dia mais eles estão lutando e reivindicando esse direito e dever.
A caminhada é longa, mas está sendo feita.