A Lei de Alienação Parental se tornou um marco dentro do direito de família brasileiro. 

A Lei 12.318/10 surgiu com base em uma síndrome descrita nos anos 80 por um psiquiatra norte americano chamado Richard Gardner. Na descrição dele, trata-se de um distúrbio no qual uma criança cria um sentimento de repúdio a um dos pais devido a uma combinação de fatores, em especial, a uma doutrinação voltada para que a própria criança deforme a imagem do genitor. Gardner também observou que esse comportamento era muito comum em processos de divórcio em que havia disputa de guarda. 

Alguns países como Canadá e Inglaterra não recepcionaram essa síndrome em seu rol de perícias forenses, mas ela foi recepcionada em alguns países, inclusive nos Estados Unidos (que já vem voltando atrás na questão). 

Já explicamos a Lei de Alienação Parental no infográfico postado essa semana (clique aqui), por isso, essa questão não será aprofundada neste artigo. O que será abordado é a aplicabilidade prática dessa lei dentro do judiciário brasileiro.

A primeira questão muito importante a ser levantada é que como foi abordado no artigo sobre o machismo no Poder Judiciário (clique aqui), há uma falsa impressão que mulheres têm uma aptidão nata para cuidar de sua prole, diferente dos homens que não teriam essa aptidão. Contudo, quem é mãe, sabe que isso é uma grande mentira. 

Esse é um ponto importante na questão da aplicabilidade da Lei de Alienação Parental, já que, em casos em que o alienador é a mãe, há uma dificuldade imensa de se aplicar as sanções dispostas na lei de alienação parental, em virtude desse machismo que sempre coloca a seguinte questão: “mas com quem que essa criança vai ficar?”. Bem, a resposta pode ser óbvia para alguns, mas é bom responder: “com o pai”. 

Outro ponto importante a ser abordado, é que alguns casos de alienação parental começam com uma denúncia falsa de abuso sexual contra a criança. Contudo, é fundamental saber a dificuldade de se separar aquilo que é a prática alienatória baseada na implantação de falsas memórias de um abuso, de um abuso real. 

A partir disso surgem muitas questões difíceis: Como separar as situações? Como os peritos saberão se o que aquela criança está falando é a verdade ou é a implantação de uma falsa memória? Quanto tempo demora para que essa perícia seja feita para se chegar a conclusões satisfatórias? 

Além disso, enquanto não se consegue verificar essas questões, como o juiz ou a juíza pode sujeitar uma criança a uma convivência com seu suposto abusador? E se for verdade? E se a família ficou tão impactada que não se deu conta de que era necessário chamar a polícia para fazer o exame de corpo de delito (o que é muito comum)? 

Decidir sobre essas questões não é simples, chegar ao absurdo tanto do abuso sexual, quanto da alienação parental é extremamente prejudicial para a criança. Gera sequelas inimagináveis. 

Assim, atualmente, o que se tem visto é que a lei de alienação parental quase não tem aplicabilidade dentro do Poder Judiciário e, quando acontece, corre-se o risco de ela fugir de seu objetivo original, como se verificou no México, que revogou sua lei (fonte)

É muito raro encontrar advogados que relatam casos em que houve a aplicação das sanções dispostas na lei. Quando muito, houve a aplicação de uma advertência. 

Contudo, em diversos estados no Brasil, percebeu-se que o melhor antídoto para a alienação parental é a ampliação da convivência com o genitor ou genitora cuja imagem está sendo deformada, em especial, nos casos em que não há a denúncia de abuso sexual. Nestes casos não é possível ampliar a convivência na prática, há questões muito delicadas em jogo. 

Os casos em que se vislumbra a aplicabilidade do pedido de ampliação de convivência são aqueles em que a alienação parte de situações extremamente desagradáveis de tentativa ou de efetiva mudança para cidade, sem qualquer justificativa plausível, que dificulta a convivência, assim como a criação de desculpas infundadas para impedir a convivência, denúncias falsas de violência doméstica pelo outro cuidador para dificultar o acesso aos filhos, etc. 

Nos casos acima listados, alguns advogados têm recorrido ao pedido de ampliação de convivência antes mesmo de tentar entrar com a Ação de Alienação Parental, em razão da elevada chance de efetividade em relação à outra demanda. 

Além disso, para se falar sobre a aplicabilidade real da lei de alienação parental, é preciso destacar a visão dos juristas que defendem a necessidade de revogação da lei. É um ponto de vista a ser considerado, sendo fundamental que exista o diálogo entre essas questões. 

Qual é o ponto de vista de quem defende a revogação da Lei de Alienação Parental? Para compreendê-los, vale ter em mente dois pontos:

O primeiro é que não há dúvidas de que os índices de abuso sexual de crianças e adolescentes são altíssimos no Brasil e ainda mais relevante, que esses abusos costumam acontecer dentro do seio familiar em grande parte das vezes. Já falamos desses dados aqui no Conversa com Elas (clica aqui). 

O segundo é que o inciso VI do artigo 2° da Lei de Alienação Parental dispõe que uma das formas de alienação parental é a “falsa denúncia contra o genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente”. 

Diante dessas duas questões apontadas, aqueles que defendem a revogação da lei afirmam que alguns abusadores se utilizam da lei para camuflar  sua conduta abusiva e, ainda mais grave, ter a criança de volta ou, pelo menos, manter a convivência com ela.

Isso, na visão dos revogacionistas, gera uma consequência nefasta que é a inibição de mães que desconfiam dos abusos em denunciá-los ou na demora para denunciar pela falta de provas mais concretas do que a palavra da mãe e da criança que, em decorrência da lei, teriam perdido suas vozes. Nesse sentido, vale destacar a seguinte fala de Gabriela Fernanda da Silva: “A Lei n° 12.318/2010, em consonância com os estudos de Gardner, ao arrolar a falsa denúncia como um dos atos de alienação, não se preocupou com a situação fatídica das famílias brasileiras”.

Outro ponto levantado pelos defensores da revogação da lei de alienação parental é que a realidade brasileira denota que as guardas unilaterais ou a fixação da residência referencial é, em massiva parte das vezes, com a mãe, de modo que ela seria, dentro da realidade brasileira, a principal alienadora. Assim,essa seria, mais uma vez, uma forma de violência de gênero, além de subjugá-las ao lugar de responsável pelas mazelas da família (como acontecia na época em que havia o sistema de culpa na separação judicial ou no desquite).

Para encerrar, um último ponto levantado por esse grupo, dos diversos que existem, é que a lei dispõe em seu art. 6º  sobre medidas extremamente punitivistas (exceto o inciso IV)  que destoam até mesmo da perspectiva do Gardner, que analisou a questão pela ótica da psicologia, ou seja, nesse ponto, considerando que a alienação parental é uma questão psicológica, não faria sentido dentro do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente criar punições ao invés de permitir que a questão seja efetivamente tratada pelo profissional habilitado. Isso fomenta a banalização da questão, tornando o Judiciário um grande campo de batalha de mazelas conjugais não resolvidas, onde o alvo principal é a mulher.

Diante de tudo isso, resta uma única conclusão: precisamos repensar a Lei de Alienação Parental para que ela sirva melhor seu propósito de proteger crianças e adolescentes.

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