Uma análise dos dados atualizados do CNJ sobre crianças e adolescentes aptos para adoção, aqueles que se encontram nos acolhimentos e os pretendentes.

Antes de iniciar a análise dos dados é preciso entender como funciona o processo de adoção. Para quem quer adotar, os pretendentes, é preciso se submeter a um “processo de habilitação”, que é literalmente um processo judicial, no qual, já na petição inicial, eles apresentam uma série de documentos (identidade, certidão de nascimento ou casamento, comprovante de renda, atestados de sanidade mental, cartas de recomendação, declarações de pessoas próximas, certidões negativas, etc) e também, alguns, desde o início já optam por indicarem quais são as características da criança desejada, tais como sexo, raça, idade, se aceitariam uma criança deficiência física ou intelectual. A lei não deixa claro em qual momento isso deve ser feito, mas é uma praxe já apresentar isso desde o início do processo, podendo os pretendentes mudarem de ideia ao final. 

Após a distribuição do processo, os pretendentes são encaminhados para um estudo psicossocial e são obrigados a participarem das oficinas e palestras de habilitação para adoção. Caso sejam considerados aptos para adotar, o juiz sentencia deferindo a habilitação, de modo que o nome deles é incluído no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) – até o final de 2019 usava-se somente o CNA (Cadastro Nacional de Adoção) – e ficam aguardando na fila até que se encontrem uma criança ou adolescente que se encaixe no perfil descrito pelos pretensos adotantes. 

Como já dizia o professor Paulo Tadeu Righetti Barcelos, se assemelha a um aplicativo de paquera virtual.

No caso das crianças e adolescentes, a inclusão nesse sistema se dá da seguinte forma. Por algum motivo, eles são acolhidos pelo Estado e a partir daí se inicia um processo de verificação se há ou não a possibilidade daquela criança ou adolescente ser reinserido na família extensa (tios, avós, primos, tios-avós) ou mesmo retornarem para os pais biológicos. Existe toda uma polêmica a respeito dos prazos determinados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) sobre esse procedimento, mas esse tema ficará para uma outra oportunidade. O importante é que se entenda que: a prioridade do ECA é que a criança ou adolescente não fique em acolhimento institucional, eles devem estar numa família, seja ela biológica ou adotiva

Verificada a impossibilidade de reinserção da criança ou adolescente na família biológica extensa ou não, inicia-se o processo de perda do poder familiar, mas muitos promotores e juízes já optam por incluir essas crianças e adolescentes no SNA antes da finalização desse processo. 

Pois bem, a partir daí temos o SNA, que é o sistema responsável por reunir as informações, de caráter local e regional, sobre os postulantes à adoção e as crianças disponíveis, bem como as crianças e adolescentes acolhidos no Brasil inteiro. 

Aliás, a grande mudança desse sistema atual para o CNA, é justamente a inclusão do cadastro das crianças e adolescentes acolhidos. Essa junção de dados ajuda a dimensionar as questões envolvendo os acolhimentos no Brasil e criar soluções para que crianças e adolescentes não fiquem acolhidos por muito tempo. 

Outro ponto importante que deve ser ressaltado é que esse sistema deve ser – e é – alimentado DIARIAMENTE pelos servidores e juízes de todo o Brasil. Por isso, os números mudam de um dia para o outro.

Essa, pelo menos, era a ideia inicial, mas ao realizar as pesquisas de dados para a elaboração deste artigo, as sócias do Conversa com Elas se depararam com uma questão seríssima na forma como os dados são divulgados pelo CNJ. Na mesma página é possível acessar os relatórios do SNA e também do CNA, o que, a princípio, não seria um problema, já que o CNA deveria alimentar o SNA, contudo, os dados constantes nos relatórios de cada um desses sistemas de dados são absurdamente diferentes.

Assim, na coleta de dados, foram acolhidos os dados do SNA, por se tratar do sistema mais novo, mas deixa-se a ressalva de que, diante dessa incerteza de dados apresentados, não é possível averiguar se os números são exatos e precisos, portanto servirão, neste artigo, apenas para ilustrar uma ideia geral da realidade do sistema de adoção brasileiro.

Feita essa introdução, é possível analisar os números

No Brasil, na data em que a pesquisa foi feita, temos 30.571 crianças e adolescentes que estão acolhidos no Brasil

Já sobre o comparativo de quem está apto para adotar e ser adotado, temos 35.422 pretendentes à adoção e temos 5.166 crianças e adolescentes aptos para adoção

Entrando nas preferências dos pretendentes, sobre a idade, nas preferências dos pretendentes, 20,8% aceitam até 2 anos, 33,5% aceitam até 4 anos, 3,4% aceitam até 10 anos, 1,2% aceitam até 12 anos e 0,3% aceitam acima de 16 anos. Já no sistema temos, 16,5% de crianças e adolescentes com até 3 anos, 13,7% de 3 a 6 anos, 16,2% de 9 a 12 anos, 18,9% de 12 a 15 anos e 20,2% maiores de 15 anos. 

Já nesses dados é possível verificar que não tem como a conta fechar, a maior parte dos pretendentes querem um bebê e no sistema estão cadastrados, em sua maioria, adolescentes. Mas existem outros números a serem analisados para que seja possível fazer outros recortes. 

Sobre a raça, 37,9% aceitam qualquer raça, 64,5% aceitam brancos, 60,2% aceitam pardos*, 42% aceitam pretos* e 41,1% aceitam indígenas. Enquanto, no sistema, temos 46,2% de crianças e adolescentes pardos, 24,8% de crianças e adolescentes brancos, 13,3% de crianças e adolescentes pretos e 11,9% cuja raça não foi informada. 

Assim, fazendo uma análise sistemática dos dados, é possível perceber também que, se há uma maior preferência por bebês, ultrapassando o gargalo da idade, há também o gargalo racial, que hoje em dia é menor do que há alguns anos atrás, mas ainda assim, privilegia bebês brancos, o que contribui para que crianças acima de 8 anos e adolescentes pretos e pardos tenham menos chances de serem adotados.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) privilegia a manutenção de irmãos (inciso V, art. 92 do ECA), assim, a adoção de um dos irmãos está atrelada aos demais. É muito difícil separar os irmãos que estão no sistema. 

Desta forma, vejamos os números quanto aos irmãos, 60,7% dos pretendentes preferem adotar crianças e adolescentes sem irmãos, 37% aceitam com 1 irmão e apenas 2,3% com 2 ou mais irmãos. Com relação às crianças e adolescentes cadastrados, 55,5% não tem irmãos cadastrados no sistema de acolhimento, 20% tem 1 irmão, 11,5% tem 2 irmãos e 6% tem mais de 3 irmãos

Outro ponto que chama atenção é sobre o sexo, 67,2% dos pretendentes não têm preferencias quanto ao sexo, porém dos que têm, 25,3% aceitam do sexo feminino e 7,5% aceitam do sexo masculino. Por outro lado, temos 46,1% crianças e adolescentes do sexo feminino e 53,9% do sexo masculino

Para fechar os números, temos que 92,7% dos pretendentes não aceitam crianças com nenhum tipo de deficiência, enquanto no sistema temos 7,5% das crianças e adolescentes com deficiência intelectual e 2,9% com deficiência física e intelectual

Esses dados, apesar da falha dos relatórios públicos apresentados no site do CNJ, auxiliam na visualização da disparidade entre o número de crianças e adolescentes que se encontram habilitados para adoção e as preferências dos candidatos inscritos. Assim, surgiram também novos conceitos e termos para classificarem a situação desses jovens, os preteridos da adoção. Um deles é o das “Adoções necessárias”, que numa conceituação didática: “refere-se às crianças e aos adolescentes que são preteridos pelos postulantes à adoção e por isso integram o hall de adoções que devem ser preferencialmente incentivadas.” 

Diante disso, conclui-se que o maior desafio do Poder Público é encontrar famílias para as crianças e adolescentes que não compõem o perfil mais procurado pelos pretendentes, mas que, assim como qualquer outra criança e adolescente, possuem o direito à convivência familiar e comunitária.

É fundamental que a sociedade como um todo esteja envolvida para que essa barreira seja quebrada o quanto antes e que esses jovens possam ter um lugar em alguma família.

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* Estamos apenas reproduzindo os dados do sistema que separa pretos de pardos.

FONTES:

 https://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf – acesso em 05/12/2020.

Relatório de pretendentes

Relatório crianças e adolescentes

https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=ccd72056-8999-4434-b913-f74b5b5b31a2&sheet=4f1d9435-00b1-4c8c-beb7-8ed9dba4e45a&opt=currsel&select=clearall – acesso em 05/12/2020.

VEIGA, C. R.; ANGIOLETTI, M. F. ; SOARES, L. C. E. C. . Por que a conta não fecha? Adoções necessárias no Brasil, legislação e garantia de direitos. 2019. (Apresentação de Trabalho/Comunicação).

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