No post anterior sobre esse tema, Marina explicou o que e quais são os direitos da personalidade.
Agora vou explicar uma das grandes polêmicas do direito brasileiro: quando nascem os direitos da personalidade.
Para começar a explicação é preciso entender que, conforme explica de forma objetiva Flávio Tartuce, os direitos da personalidade “são aqueles inerentes à pessoa e à sua dignidade (art. 1o, III, da CF/ 1988).”* e que os direitos da personalidade são inatos, ou seja, toda pessoa nasce com ele.
Diante disso, é possível entender que os direitos da personalidade estão atrelados à existência da pessoa e de sua personalidade. A respeito disso dispõe o art. 2o do Código Civil de 2002:
“Art. 2o. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”
Inicialmente, lendo o artigo, é possível concluir que a personalidade começa com o nascimento com vida. Contudo, a segunda parte desse mesmo artigo coloca a salvo (deixa protegido) os direitos do nascituro.
Quem é o nascituro? Nascituro é aquele que está para nascer, que está sendo gestado.
Daí surge a grande incógnita: quando se inicia a personalidade, se ficam ressalvados os direitos antes do nascimento?
Essa questão, na verdade, vem desde o Código Civil de 1916, no qual já se discutia o fato de que o legislador preferiu não definir exatamente quando surgiria a personalidade.
Daí, nasceram diversas teorias, das quais, em razão dos nomes de peso que as adotaram, se tornaram destacáveis: Teoria Natalista, Teoria da Personalidade Condicionada e Teoria Concepcionista.
A Teoria Natalista, entende que adquire personalidade quando do nascimento com vida. Quem defende essa teoria a justifica da seguinte forma:
“nascituro é o ser já concebido, mas que se encontra no ventre materno. A lei não lhe concede personalidade, a qual só lhe será conferida se nascer com vida. Mas, como provavelmente nascerá com vida, o ordenamento jurídico desde logo preserva seus interesses futuros, tomando medidas para salvaguardar os direitos que, com muita probabilidade, em breve serão seus.”
Em razão desse pensamento, é possível defender diversas teses hoje amplamente discutidas, como o aborto.
Contudo, essa teoria, assim como todas as outras existentes até hoje, possui fragilidades. Esta, por exemplo, simplesmente exclui por completo a segunda parte do art. 2o do CC e parafraseando Sérgio Abdalla Semião, se a lei põe a salvo os direitos do nascituro, então, ele é de alguma forma sujeito de algum direito.
Já a Teoria da personalidade condicionada, entende que o nascituro tem seus direitos postos a salvo e que usufruirá dos mesmo como sujeito a partir de seu nascimento. Desta forma, visualiza-se facilmente todo o artigo 2o do CC abarcado por essa teoria.
Quem defende essa teoria, a justifica no seguinte sentido, conforme explica o jurista Washington de Barros***:
“Seja qual for a conceituação, há para o feto uma expectativa de vida humana, uma pessoa em formação. A lei não pode ignorá-lo, e por isso lhe salvaguarda os eventuais direitos. Mas, para que estes se adquiram, é preciso que ocorra o nascimento com vida. Por assim dizer, o nascituro é pessoa condicional […]”.
Ocorre que a referida teoria, assim como as outras, também possui suas falhas. Isso porque confunde personalidade com capacidade. O nascituro possui personalidade desde a concepção, contudo, não possui capacidade para exercê-la. Dessa maneira, é possível visualizar que o nascituro possui condição resolutiva quanto aos direitos materiais, mas não quanto aos direitos da personalidade como a vida e a integridade física.
Por fim, temos a Teoria concepcionista, que entende que desde a concepção o nascituro tem seus direitos reconhecidos.
Muita gente acredita que por ela falar de direitos a partir da concepção, ela seria uma teoria antiga e muito retrógrada, mas essa teoria embasa testes muito modernas que envolvem o direito de embriões excedentários, por exemplo. Por isso, ela tem sido vista como uma teoria moderna e bastante adotada como base de discussões nos tribunais superiores.
A grande sacada dessa teoria, é que seguindo ela, é possível perceber que todos os direitos da personalidade são estendidos para o nascituro, diferente da teoria da personalidade condicionada. Nesse sentido, explica a jurista Silmara Chinelato: “Nem todos os direitos e estados a ele (nascituro) atribuídos dependem do nascimento”.
Um exemplo de direito que se estenderia aos nascituros é o da filiação.
Claro que ela tem suas falhas, nesse caso, ela basicamente elimina a parte inicial do art. 2º do CC.
Não há um consenso sobre qual é a melhor teoria, se formos a fundo em diversos livros de grandes juristas brasileiros cada um vai defender uma tese e nos tribunais superiores, temos um leve tendência em adotar a teoria concepcionista para a análise de casos envolvendo danos morais de nascituro, ou para discussões sobre direitos genéticos etc.
É uma discussão bem interessante, mas o mais importante é que a tendência do direito brasileiro tem sido não excluir ninguém (nascidos ou que venham a nascer) de seus direitos da personalidade.
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*TARTUCE, Flávio, Direito Civil, v. 1: Lei de introdução e Parte Geral. 13. ed. Rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 153.
** SEMIÃO, Ségio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito, 2a ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 66.
*** MONTEIRO, Washington de Barros; PINTO, Ana Cristina de Barros Monteiro França. Curso de Direito Civil – Vol. 1 – Parte Geral. 49a ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 68.