Nina

Final de ano (de vez em quando) é época de pensar em eleição. As ruas são tomadas por sujeira de panfletos, propagandas, por vezes, ouvimos passar carros de som cantando músicas desafinadas e tipicamente chicletes (sabe aquela música que gruda na sua cabeça e não sai de jeito nenhum? Pois é…). Mas o mais importante de tudo isso é entender o processo democrático e a necessidade de nossa participação nele.

Todo o poder emana do povo, que o exerce, direta ou indiretamente (isso consta no primeiro artigo da Constituição da República!). Ao falar em um poder exercido de maneira direta, podemos pensar em instrumentos de manifestação da vontade social como a ação popular, que apesar de ter requisitos bem duros e difíceis de serem alcançados, permitem que a população se manifeste sem precisar de intervenção de terceiros. 

Já o poder popular exercido de forma indireta é aquele por meio de representantes. Quem seriam os representantes? Aqueles eleitos por nós para comporem os mais importantes cargos, que vão ser porta-vozes do pensamento democrático. Elegemos os Chefes do Poder Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) e também os membros do Poder Legislativo (vereadores, deputados e senadores). 

Em 2020, escolheremos Prefeitas(os) e seus respectivos vices, e vereadoras(es) municipais. Apesar de existirem alguns “pontos no i”, em regra, os membros do Poder Legislativo são uma extensão do povo, em especial os membros da Câmara dos Deputados, já que os Senadores representam seus respectivos  Estados. E isso se dá em âmbito municipal, estadual, distrital e federal.

No entanto, nas eleições em geral, a intenção é que o povo escute as propostas dos candidatos, escolha quem tem ideias pelo menos parecidas com as suas e, a partir disso, confie seu voto a esse candidato, exercendo, após a eleição (se o candidato for eleito) fiscalização durante todo o mandato: afinal, aquela pessoa que você ajudou a eleger é seu representante!

A intenção é que os membros do Poder Legislativo sejam um retrato do Brasil, um país composto por uma população particularmente diversificada, para que todas as vozes sejam, potencialmente, ouvidas. Para tanto, é necessário que sejam eleitos representantes de todos, e não apenas representantes bem específicos de uma parcela bem pequena da população.

Daí a importância em falarmos sobre representatividade. Mais especificamente, sobre a representatividade feminina na política. Apesar de as mulheres não serem um grupo minoritário – muito pelo contrário, já que de acordo com o PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) realizada em 2019, 51,8% da população brasileira é composto por mulheres -. Ainda assim, as mulheres são um grupo vulnerável e estigmatizado, que sofre diariamente com a violência, em especial a doméstica e familiar.

Voltando ao assunto, apesar de as mulheres serem maioria em nosso país, não conseguimos encontrar essa proporção entre os nossos políticos eleitos, nem dentre os candidatos disponíveis. O número de mulheres na política como um todo é esmagadoramente menor do que o número de homens. Você pode pensar que isso não faz sentido nenhum, mas é claro que faz, por todo nosso histórico, bem recente, em que as mulheres nem mesmo podiam votar!

As conquistas das mulheres têm ocorrido a passos lentos, e, embora a situação já tenha melhorado um pouco, ainda temos muito a caminhar.

Mari, você tem sentido uma mudança nesse ano ou nos últimos anos em relação à conscientização da população da necessidade de eleição de candidatas mulheres? O que você pensa sobre isso?

Mari

Então Nina, eu vejo alguns movimentos de mulheres para esse tipo de conscientização, tipo um site que surgiu durante as eleições de 2018 que você respondia um questionário e achava as candidatas que defendia as pautas de seu interesse. Aliás, escolhi minha deputada federal, minha deputada estadual e minha senadora através deste site. Infelizmente, não consegui achar novamente para indicar para vocês. 

Também tem uma organização super legal chamada Campanha de Mulher que apresenta candidatas de todo o Brasil. Fui super legal acompanhar os resultados das eleições de 2018 por elas. Cada candidata eleita no Brasil inteiro ganhou um espaço lá. Foi muito lindo! Agora, nessas eleições elas também estão apresentando as candidatas de todo o Brasil. 

Apesar desses exemplos lindos, ainda acho que nós brasileiros somos vítimas da “síndrome do salvador”, aquele candidato a um cargo no Poder Executivo que vai nos salvar. Talvez, por isso, não valorizamos candidaturas que são muito mais valiosas, como a candidatura de vereadores e deputados estaduais. 

Quando estudamos a estrutura do Estado, vemos que o nosso modelo constitucional coloca uma força muito importante na divisão do poder (que é INTEIRAMENTE do povo, vale ressaltar) que tem a função legislativa. Eles é que mudam as coisas! 

Vou dar um exemplo da nossa cidade, Belo Horizonte: atual prefeito, Kalil, apresentou um novo projeto de plano diretor da cidade (que é algo que transforma profundamente a forma como a cidade se organiza). Ele teve que justificar arduamente a proposta dele para os vereadores e essa proposta não pôde sair do papel e nem ser executada por ele sem que antes o plano fosse aprovado pelos vereadores e ainda assim, algumas questões foram vetadas por eles. Aliás, no início da lei (Lei 11.181/19) dispõe o seguinte: “O POVO DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, por seus representantes, decreta”. 

Não há nada que simbolize mais a importância dos representantes do poder legislativo do que essa frase!

Outro exemplo no âmbito Federal: uma das bandeiras de campanha do Jair Bolsonaro era “enxugar” os gastos federais e para implementar isso, a equipe econômica dele sugeriu, justamente, incentivar a aprovação da reforma da previdência, que só foi possível através da aprovação no Congresso Nacional. 

Vejam como a função legislativa é poderosa e forte. Isso acontece porque, como a Marina disse, os deputados federais, os deputados estaduais e os vereadores são aqueles genuínos representantes do povo de onde deriva todo o poder do Estado. E eles são muito mais próximos da gente!

Agora pensem comigo: imagina só você escolher a dedo aquela pessoa incrível que vai efetivamente te representar naquela Câmara dos Vereadores? Ou na Câmara dos deputados? Ou na Assembleia Legislativa? Aí você segue ela no Instagram, no Facebook, manda um direct para ela, reclama de alguma coisa, pede outra, troca uma ideia.

Eu acredito que a internet tornou mais palpável essa proximidade, permitindo uma consciência maior das pessoas que veem que é possível conversar e dialogar com seus candidatos. Contudo, essa nossa síndrome do salvador nos mostra que há muuuuito que caminhar, sabe? 

Clara, você que foi uma das pessoas que abriu os olhos para essas questões que estamos debatendo essa semana, me diga, quais são os critérios que você leva em consideração para escolher seu candidato ou candidata? 

Clara

Mari, o primeiro filtro para mim é o posicionamento político das candidatas e candidatos. Obviamente, busco alguém que enxergue os mesmos pontos focais de melhoria, as mesmas urgências e os mesmos pontos positivos que eu. Alguém que esteja motivada a atuar trabalhando naquilo que acredito. 

O segundo filtro e um dos pontos mais importantes para mim, atualmente, é sim que minha candidata seja mulher (cis ou trans) ou, caso não haja uma candidata mulher que compartilhe do meu posicionamento político, que o candidato tenha uma equipe com mulheres em cargos importantes.  Isso, porque a pauta de equidade de gêneros e direitos das mulheres é um ponto focal em minha vida e acredito que para que essas questões sejam abordadas de forma eficiente, elas precisam ser abordadas com a liderança de vozes femininas.

Outro ponto que levo em consideração é diversidade das chapas. Como a representatividade é, em minha humilde opinião, imprescindível para que a democracia funcione, busco candidatas de pele negra, representantes da comunidade LGBTQIA+, e de grupos sub representados nos locais de poder.

Depois de todos esses filtros, vou atrás das propostas das candidatas restantes. Leio uma a uma, pesquiso o histórico dessas candidatas (dentro e fora da política) e, finalmente, escolho meu voto. É importante ressaltar que enquanto leio as propostas, busco aquelas efetivamente desenhadas, que mostrem os caminhos a serem seguidos para alcançar os objetivos traçados. Propostas muito generalistas não me mostram a devida preparação. Por exemplo, se alguém propõe a “melhoria da educação básica”, quero que a pessoa me diga por meio de quais políticas públicas, com qual recurso, e em qual prazo. 

Enfim, esses critérios são os meus. Cada pessoa tem os seus, e isso também faz parte da democracia. Por isso, como uma democrata incurável, a minha dica para as pessoas que chegaram até esse ponto da nossa conversa é: vocês tem um poder gigante nas mãos, o seu voto vale muito, por isso não deixe de estudar suas candidatas antes de confiar a elas um dos seus bens mais preciosos. Como diria o Tio Ben (me julguem): “Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades”.

Referências:

https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18320-quantidade-de-homens-e-mulheres.html

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