Mari:
Direitos da personalidade e a Constituição Federal brasileira guardam uma forte ligação. Compulsando diversas doutrinas civilistas (os grandes autores do Direito Civil brasileiro), é possível perceber que todos, ou iniciam ou encerram o capítulo referente à conceituação dos direitos da personalidade com o inciso III do artigo 1º da Constituição Federal que dispõe o seguinte:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[…]
III – a dignidade da pessoa humana.
Mas qual seria o motivo deles sempre falarem da dignidade da pessoa humana para falar de direitos da personalidade?
Para explicar essa questão, vou me valer da explicação de dois autores que gosto muito, Nelson Rosenvald e Christiano Chaves, que falam o seguinte:
[…] os direitos da personalidade – ultrapassando a setorial distinção emanada da histórica dicotomia direito público e privado – derivam da própria dignidade reconhecida à pessoa humana para tutelar os valores mais significativos do indivíduo, seja perante outras pessoas, seja em relação ao Poder Público.
(ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Christiano Chaves de. Curso de direito civil: parte geral e LINDNB, v. 1. 13 ed. Rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015, p. 140.)
Portanto, os direitos da personalidade tem como seu ponto de partida o direito à dignidade da pessoa humana e, portanto, para conceituar os direitos da personalidade é preciso analisar inicialmente o marco legislativo deste escopo de direitos que é o inciso III do art. 1o da Constituição Federal.
Assim, encontramos a primeira relação dos direitos da personalidade com a Constituição Federal, mas ainda há um escopo histórico para explicar tudo isso.
Devemos lembrar que a Constituição de 1988 (a nossa atual) surgiu após uma fase longa e muito tenebrosa no Brasil e diversas violações de direitos. Pessoas foram torturadas, mortas, expulsas do próprio país, tiveram direitos políticos, sociais e fundamentais retirados.
Quando a Constituição de 1988 nasceu, era preciso dar uma resposta para o povo, era preciso que as pessoas sentissem a segurança de que seus direitos inerentes à existência humana fossem, de fato, respeitados e tutelados pelo Estado.
Para explicar melhor isso, vou também me valer da explicação da autora Ana Cecília Rosário Ribeiro que fala o seguinte:
[…] os direitos da personalidade surgem na ordem jurídica para resguardar as diversas facetas da personalidade humana, preservando a sua dignidade e assegurando que o indivíduo seja defendido e respeitado nas diversas fases do seu desenvolvimento.
(RIBEIRO, Ana Cecília Rosário. Alimentos para o Nascituro: Tutela do Direito à vida, 1a ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 34.)
Então vejam, quando a Constituição coloca a dignidade da pessoa humana que é a base dos direitos da personalidade e ainda coloca de forma expressa princípios e direitos como fundamentais a todos os cidadãos e que são basilares da própria personalidade humana, ela dá essa resposta para os cidadãos de preservação desses direitos no âmbito Constitucional que é, na pirâmide hierárquica do nosso ordenamento jurídico a lei mais importante e soberana do nosso Estado. Vejam:
Isso é muito importante e essa correlação é fundamental para assegurar que todas as pessoas tenham seus direitos da personalidade respeitados pelo Estado e pela sociedade.
Clara:
Além da base da dignidade da pessoa humana, a nossa Constituição já traz no artigo 5º alguns direitos da personalidade que exemplificamos no início desta semana, neste post. Mas, acho importante que possamos trazer alguns exemplos de como esses direitos afetam nossa vida em sociedade.
Dois direitos que estão presentes diariamente e que merecem ser tratados de maneira importante são os direitos à intimidade e à vida privada. Eles são garantias de que podemos manter aspectos importantes de nossa vida somente para nós mesmos e que a violação ilegal desses aspectos ainda nos dá o direito a indenização por danos morais. Isso fica muito bem colocado no inciso X do art. 5º da Constituição, e já tratamos dele no nosso Instagram (aqui).
Portanto, como a Mari já expôs, devemos considerar que os direitos da personalidade são tão importantes em nosso ordenamento jurídico que estão protegidos não apenas pelo Código Civil, mas sim por sua norma máxima, que pela primeira vez na história do nosso país decidiu falar especificamente dos direitos à intimidade e à privacidade, em decorrência de momentos históricos terríveis vivenciados durante a Ditadura Militar.
Outro ponto que devemos levar em conta é a dificuldade gerada pela internet quando falamos em privacidade e intimidade. Em tempos como os nossos, a exposição da vida privada alheia tem se tornado comum e considerada, até mesmo, entretenimento. Mas, quando isso é feito sem o consentimento da pessoa, pode gerar consequências inimagináveis à vítima. Um bom exemplo são os casos de pornografia de vingança, que já tratamos por aqui (clique aqui), e que levam muitas pessoas a quadros graves de depressão e, em casos extremos, até mesmo ao suicídio.
Por isso, nossos legisladores e legisladoras têm trabalhado constantemente na criação de normas que fortaleçam os dispositivos constitucionais dos direitos da personalidade. Alguns exemplos são o Marco Civil da Internet, a Lei de Proteção de Dados e a Lei Carolina Dieckmann.
Mas, mais importante do que termos legisladores conscientes da importância desses direitos, é termos uma sociedade consciente. Por isso, sempre que se deparar com situações de violação de direitos: denuncie, proteja a vítima e não compartilhe.
Fonte: Politize!