MARI – Quando eu ouço alguém defendendo a redução da maioridade, eu fico pensando se essa pessoa conseguiria: (1) entender que ela de fato cometeu um crime; e (2) entender e ponderar as consequências desse crime. E aí eu lembro da minha mãe, que é médica, mas decidiu estudar psicanálise, que me disse logo que eu fiz 18 anos: “ser adulto é fazer escolhas e suportar as consequências das suas escolhas sozinho”. 

Algumas pessoas dirão: “mas Mariana, tem gente comete crime porque está passando fome, porque não tem o que comer!”. Essa pessoa, sendo um adulto, pensou, em algum momento, que ela poderia ser pega e presa por isso, mas a situação a fez entender que aquilo era o que poderia ser feito. 

Já uma criança e um adolescente, por mais maduro que seja, não tem essa capacidade e especialmente, eles não têm a capacidade de enfrentarem sozinhos as consequências de determinados atos. Essa é uma das muitas razões que fazem com que a redução da maioridade penal seja uma grande questão no mundo inteiro, inclusive em países onde ela é de fato reduzida e abrange a adolescência ou naqueles em que ela não existe.

Aqui no Brasil ainda temos uma outra questão, a redução da maioridade penal se esbarra no princípio da proteção integral previsto no art. 227 da Constituição Federal, do qual já falamos de forma mais detalhada em outro post (link aqui). 

Porque existe uma incompatibilidade entre essas duas questões? 

O art. 227 dispõe que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”.

Observando o artigo, é possível perceber que ao equiparar um adolescente ou uma criança a um adulto e submetê-lo a uma condenação assim como um adulto, da qual lhe será tirado não só da liberdade, como também do acesso à educação, à cultura, ao lazer, à convivência comunitária e familiar. Assim violando aqueles direitos que são lhes são assegurados e colocados como prioridade absoluta da sociedade, da família e do Estado. 

Então vejam que existe uma enorme muralha constitucional com relação à maioridade penal, já que a diminuição dessa linha etária violaria diversos direitos fundamentais dos adolescentes. 

Mas para além dessa muralha, onde mais encontramos barreiras na nossa sociedade e no nosso ordenamento jurídico que impedem a diminuição da maioridade penal. 

CLARA – Além das questões constitucionais e legais expostas pela Mari no ponto acima, existe uma ponderação que sempre tento levar para as discussões ao redor deste tema: o alto nível de encarceramento do Brasil, o estado das Unidades Prisionais do país e a capacidade de recuperação e ressocialização de um adolescente comparando-o a um adulto. Então, vamos ponto a ponto: 

  • O Brasil é o país com a terceira maior população carcerária do mundo, ficando atrás somente dos Estados Unidos e da China. Esse dado é assustador e fica ainda mais terrível quando levamos em consideração o nível de superlotação das unidades prisionais do país e o claro recorte social existente nessa população: em sua maioria homens pobres e negros. Gostaria de lembrar àqueles que leem esse bate-papo que aqui falo do que pude vivenciar trabalhando no sistema penitenciário e convivendo com os grandes dilemas de política pública enfrentados nessa questão. Além disso, grande parte dessas unidades prisionais não possuem a separação exigida pela Lei de Execuções Penais, colocando condenados por crimes graves junto com condenados por crimes leves, pessoas envolvidas com organizações criminosas em contato com aqueles não o são, e assim por diante. Por isso, a pergunta a se fazer é: queremos mesmo colocar nesses espaços adolescentes que cometeram atos infracionais aos 16 anos? Eles se tornariam uma presa ainda mais fácil para aliciamento de organizações criminosas, isso eu garanto.

 

  • Diversos estudos da neurociência demonstram que a capacidade de adaptação à mudança de adolescentes é maior do que adultos, o cérebro ainda não está completamente formado, e se adapta de uma forma esplendorosa a novas realidades quando se é adolescente. Por isso, com um sistema socioeducativo focado em ressocialização e educação, os adolescentes autores de atos infracionais possuem chances enormes de se tornarem adultos que sabem seguir normas, as leis, e que podem contribuir para uma sociedade em crescimento. Prender essas pessoas em unidades prisionais, em contato com o nível de hostilidade que existe nas unidades prisionais brasileiras é, na minha humilde opinião, um grande desperdício de potencial e de vidas.

Por isso, acredito firmemente que é impossível exercermos o dever de proteção ao adolescente, legalmente e constitucionalmente previsto, se permitirmos que adolescentes sejam julgados como adultos em caso de cometimento de atos infracionais.

O sistema socioeducativo, se em conformidade com os parâmetros estipulados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, tem o potencial de fornecer novas perspectivas aos autores de atos infracionais, devolvendo jovens adultos capazes de contribuir na construção de uma sociedade melhor. – Clara Renault

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