Esse bate-papo foi feito em parceria entre Mari e Clara.
ATENÇÃO!! Temos uma Clarinha bem pistola nesse bate-papo! Aproveite!
Mari – Para falarmos do impacto do caso da Marielle, é preciso entender o contexto em que ela estava envolvida na época do seu assassinato e que apontou os holofotes para o que ocorreu com ela.
Marielle era uma vereadora do Rio de Janeiro, negra, periférica, feminista e lésbica, filada ao partido PSOL. Em 2018, algum tempo antes do assassinato dela, houve uma intervenção militar no Rio de Janeiro atingido seriamente a população que reside nas favelas do Rio de Janeiro.
A defesa dessa população sempre foi uma das pautas defendidas por Marielle em seu mandato como vereadora e, evidentemente, diante daquela situação, ela começou a agir se manifestando, realizando reuniões com outros vereadores e vereadores, e com a prefeitura, organizou manifestações.
E aí, ela é assassinada e obviamente os holofotes foram jogados para o caso dela. E diante disso, abriu-se uma “caixa de pandora”. Eu, Mariana, que sou de Belo Horizonte, não sabia quem era a Marielle antes do assassinato dela. Eu soube, e acredito que muitas pessoas também, pelo noticiário e pelos debates que surgiram no Twitter.
E um dos debates que se aflorou naquela época foi o dos “direitos humanos”, que até então, eu confesso que só havia presenciado em aulas sobre o holocausto na escola e depois nas aulas de sociologia do direito, filosofia do direito, direito internacional público e direito constitucional dentro da faculdade de direito. Como eu havia me formado em 2015, àquela altura, eu até estava com saudades de participar de debates nesse sentido.
Aliás, cabe um adendo importante: foi nessa época que a gente começou a pensar no Conversa com Elas, que fala exatamente sobre direitos humanos.
Pois bem, voltando à questão posta, naquela época houve uma retomada sobre o tema direitos humanos. Isso porque algumas pessoas (não eram muitas, mas na internet elas tiveram a capacidade de crescer) falavam que o fato da Marielle “defender bandido” era algo que justificava ela morrer ou, pelo menos, para que aquela pessoa não lamentasse a morte dela.
Aí a gente se pergunta: mas defender direitos humanos é defender o direito de todos os humanos ou defender o direito de alguns humanos?
Eu lembrei de uma reportagem sobre o tema que saiu na BBC Brasil sobre a questão e nela um dos entrevistados, o psicanalista Tales Ab’Saber, falou o seguinte:
“No Brasil existe uma ambiguidade muito grande em que a democracia é discutida por uma estrutura autoritária profunda, que tem a ideia de que os direitos não são para todos. Marielle era tendência oposta à essa“.
Eu vejo que um dos marcos do caso da Marielle foi justamente o fato dela ter defendido direitos básicos e humanos para todos e ter sido morta por isso (que aliás, vale lembrar que já se sabe quem executou o crime, mas não se sabe quem mandou, já que o assassinato foi muito bem planejado).
E pensem, se nós três também fomos impactadas por isso e sentimos uma urgência enorme de falarmos sobre direitos humanos e fundamentais, imaginem que outras muitas pessoas – principalmente ligadas às áreas do Direito – também sentiram a mesma urgência diante dessa porta aberta, visto que era preciso fomentarmos um diálogo de qualidade e com bases técnicas e precisas.
Clara: Bom, no mesmo ano em que Marielle foi assassinada aconteceram as eleições presidenciais, e a discussão sobre Direitos Humanos foi politizada de uma maneira extremamente polarizada e que deturpou em muito alguns dos conceitos que giram em torno do tema. Algumas pessoas passaram a esbravejar em alto e bom tom que Direitos Humanos eram desculpa para proteção de “bandido” e o nome de Marielle foi utilizado de forma desrespeitosa e absurda.
Marielle foi culpabilizada pela própria morte em discursos políticos, notícias falsas foram espalhadas pela internet e sua família se viu obrigada a denunciar o seu homicídio e o descaso nas investigações à ONU. Mas, por que tanto ódio direcionado a alguém que defendia os direitos mais básicos de um ser humano? Na minha opinião, isso vem da falta de conhecimento a respeito do tema por parte da maioria da população e da manipulação de poucos que estão no poder.
Então, vale aqui lembrarmos o que são os Direitos Humanos, quais suas finalidades e quais os dispositivos que protegem. Já falamos um pouco sobre o assunto aqui no Conversa Com Elas, em um infográfico (clique aqui), mas vamos destrinchar melhor esse conceito: Direitos Humanos são aqueles que reconhecem e protegem a dignidade de TODO SER HUMANO, sem distinção de raça, gênero ou orientação sexual. Portanto, são direitos derivados do direito à dignidade da pessoa humana.
Então, se eles são derivados da dignidade da pessoa humana, muitos deles estão previstos em nossa Constituição, a norma mais importante do Estado Brasileiro. Isso significa que aqueles que defendem esses direitos estão defendendo a nossa Constituição, sendo que o contrário também é verdade: aqueles que atacam os direitos humanos estão atacando frontalmente um dos conceitos constitucionais mais básicos do nosso sistema de proteção legal.
Outra norma que tem que ser exaltada quando estamos falando desse assunto é a Declaração Universal de Direitos Humanos. Ela é um documento elaborado pela ONU em Assembleia Geral realizada em 1948 e adotada por todos os países-membros da Organização das Nações Unidas, inclusive o Brasil. São trinta artigos em que os signatários se comprometem, conforme o preâmbulo da norma, ao: “respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano e a observância desses direitos e liberdades”.
Portanto, o caso de Marielle fez algo muito importante para os operadores de Direito desse país: ele escancarou a banalização e o desrespeito a direitos que não podem ser ignorados, e nos colocou em estado de alerta, para que lutemos bravamente para que estes direitos sejam respeitados no nosso país.